26.8.07

Consultório Musical (Pós-puberdade e Entrada na Vida Adulta)

Recebi há pouco o seguinte grito de desespero:

FM disse...

Caro professor, ao ver a foto que ilustra a abertura do seu consultório musical perpassou-me uma sensação de deja vu, como se conhecesse esse sujeito de pólo amarelo e tivesse presenciado à escolha metódica dos álbuns que compõem a fotografia. Mas deve ser só mesmo uma sensação de dejá vú, até porque deve ter recorrido aos serviços de um modelo profissional e essa gente não anda assim pela rua juntamente com o proletariado, nem faz parte das minhas relações.Ora bem, mas o meu problema é o seguinte. Tendo passado a maior parte das minhas férias na Figueira da Foz, ao fim de muitas noites um gajo dá consigo num bar de karaoke arrastado por um belga que queria interpretar o tema “I will survive”. Foi uma noite de fortes emoções e que me trouxe muitas memórias. Antes de mais, de salientar que no ano anterior tinha ido a esse mesmo bar (cumpro um ritual que me obriga a ir uma vez por ano a um bar de karaoke, tal como certas senhoras, como a minha mãe, vão a Fátima) juntamente com um jovem arquitecto da nossa praça, uma moça que ele pretendia enfeitiçar e um jovem meu amigo (por acaso parecido com o da fotografia do seu consultório). Ocorreram alguns desacatos com o MC de serviço, responsável pelo equipamento de karaoke, de seu nome Tó Capela (o manager, não o equipamento de karaoke. Acho que ele ainda não é assim um Thycoon do karaoke a modos de já ter uma linha de quipamento com o seu nome). Pronto, tudo isto para referir que foi com medo que regressei ao tal bar de karaoke. Uma vez lá dentro, fiz por me embebedar ainda mais, a fim de suportar aquele ambiente. Fiquei satisfeito ao encontrar uma cara conhecida naquele espaço: o porteiro da sala do Casino. Não que eu seja frequentador de jogos de sorte e azar, mas as casas-de-banho do casino são as melhores de toda a Figueira da Foz. A maior das surpresas foi quando este mesmo sujeito se dirigiu ao palco, pegou no microfone e de uma forma muito profissional, com posse e tudo, interpretou “Incomplete” dos Backstreet Boys. Não sei se motivado por uma história ao tipo de “from rags to richies” (em versão portuguesa, porteiro do Casino é convidado a subir ao palco aquando de uma actuação de Carlos do Carmo no Casino da Figueira e é o início de uma grande carreira), aquela interpretação tocou-me.Sempre tive para mim que álbuns como “Blood on the tracks”, de Bob Dylan, “After the Goldrush”, the Neil Young ou “Bryter Later”, de Nick Drake são verdadeiros hinos ao amor, inspirado no grunger Eddie Vedder até cheguei a escrever num sms para uma miúda que me trazia loucamente apaixonado “I know someday you´ll have a beautiful life, I know you´ll be a star in somebody else´s sky but why can´t it be in mine?”. Acontece que nesta noite de karaoke, deu-se em mim um “alarme de vísceras”, como escreveu Vergílio Ferreira, e não pude deixar de espreitar pelo rabo do olho a letra da música “Incomplete” que ia passando no televisor, com um tipo vestido de fato de linho branco em fundo, molhando os pés à beira-mar e passando a mão pelo cabelo.Frases como “I pray for this heart to be unbroken but without you all I'm going to be is, incomplete” fizeram em mim sentido e perguntei-me se não terei sido um snob durante a minha adolescência e que talvez fosse isto que todas as miúdas que me deram tampas quisessem ouvir da minha boca antes de as calar com um beijo.É que, sinceramente, letras como “Maybe I'm too young to keep good love from going wrongbut tonight, you're on my mind so you never know” de Jeff Buckley são lindas, mas dão de nós um ar demasiado sensível, tipo gajo que tem frieiras no Inverno e fica com gretas nas mãos se não passar cremezinho e calçar luvas e homem que é homem não teme gretas sejam elas onde forem! Estes gajos dos Backstreet Boys vão viver que nem porcos durante anos e anos, com dinheiro, miúdas e vidinha boa, enquanto gajos como o Jeff Buckley morrem cedo e afogados, está bem que ao som de “Whole lotta love” mas cá para mim o gajo nem conseguiu esbracejar durante 5:34 minutos, o suficiente para pelo menos conseguir ouvir a música até ao final. Ah é verdade! Este verso então derrubou-me “You still wonder if we made a big mistake”. Até apontei a frase no telemóvel antevendo uma possibilidade de a vir utilizar no futuro caso alguma miúda me dê com os pés. Passado 10 anos envio-lhe esta frase por sms, questionando-a a cerca do rumo que a sua vida tomou e se não teria sido tudo muito melhor caso tivesse ficado comigo. Entretanto, já fui procurar o vídeo ao YouTube. É de facto azeiteiro, mas imaginemos se Alan Ball o tivesse utilizado na última cena do último episódio de Sete Palmos de Terra, em vez de Breathe Me de Sia. É tudo um tanto ao quanto relativo.Estarei a necessitar de um internamento compulsivo e de administração ininterrupta de doses de Velvet Underground, The Doors, Led Zeppelin, Dylan, Neil Young, Stones, Lou Reed, Jeff Buckley e demais antibióticos poderosos?
Ah, esqueci-me de referir que numa outra situação, ouvi esta mesma música "Incomplete" num bar de striptease. Achei por bem referir este dado porque abona em favor da versatilidade deste tema dos Backstreet Boys.Senhor doutor, aguardo o seu urgente diagnóstico!


Caro FM, para perceber como estou comprometido com esta causa, devo dizer que acabei de interromper o visionamento de Pára ou a Mamã Dispara para ajudá-lo. A sua carta é longa e intricada, mas o seu problema, apesar de vir de longe, tem solução. Assim de repente, e mesmo não o conhecendo de lado nenhum excepto das produções fotográficas, direi que se trata de um estudante de dentária cuja frase que mais ouviu na sua vida desde a puberdade foi deixa lá, também acontece aos outros. Meu amigo, antes de mais, não se deixe atrair, em momento algum, por paroladas como as dos Rapazes da Rua de Trás. Aliás, se fixar bem este nome, assim mesmo em português, acredito que facilmente abandonará esse devaneio. É verdade que em tempos de secundário elas preferem ouvir coisas dessas, mas quando se chega à universidade apostar na sensibilidade dá frutos. O seu problema não está tanto nas coisas que ouve, mas sim no momento em que as decide ouvir. Por agora, deixe para lá os Neil Youngs, os Buckleys e até os VU, e só Deus e Lou Reed sabem como me custa dizer isto. Quer dizer, abra uma excepção e oiça 3 vezes ao dia o I Found a Reason dos Velvet que esta ajuda sempre. Mas o que você está realmente a precisar é de ouvir o Vespertine de Bjork, para lhe levantar a pila de uma vez por todas e assim abrir de novo o caminho para a felicidade. Não se deixe enganar, neste disco de Bjork não vai ouvir os seus habituais gritos de desespero de quem sofre por amor, mas sim alguém que se quer meter entre os seus lençóis e gemer com sofreguidão junto aos seus ouvidos, e tudo porque o ama mais do que à vida. Depois de 4 ou 5 audições, com redobrada atenção, sairá à rua com a confiança de um George Clooney e engatará para a vida qualquer mulher que lhe chame a atenção. Depois, ponha-a a ouvir o mesmo disco no seu quarto e perceba que, ao contrário do que é dito, qualquer mulher pode ter orgasmos múltiplos, mesmo que você esteja lá com ela. No fundo, no fundo, do está a precisar urgentemente não é tanto de mudar de banda sonora, mas sim de encarar o amor com vontade de o sentir, em vez de medo de o desiludir. Lembre-se, e este é um conselho grátis do Doutor, que um momento apropriado para ouvir determinado disco, mais do que o disco em si, é determinante para o seu bem-estar e felicidade. Saberá que tudo isto deu resultado quando, daqui a uns anos, der por si a ouvir o Incomplete no rádio do carro com a pessoa que ama a seu lado, e a sorrir apaixonadamente apesar da música merdosa. Cantarolará até, sem qualquer sentimento de culpa, alguns daqueles versos hediondos, mas as suas palavras significarão nada porque será a sua expressão a dizer tudo. Acabou de levantar os cantos dos lábios e enrugar ligeiramente os olhos? Alguns dentes à mostra? Então já está a resultar! Um grande bem-haja para si, meu caro amigo, e que tudo lhe corra bem! Estarei cá se precisar. Agora vá lá tratar disso e deixe-se de lamúrias.

Um abraço deste seu guia espiritual.

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