Ainda as paredes deste consultório cheiram a tinta fresca e já duas pessoas batem à porta pedindo ajuda. Uma delas é John, de quem nada sei excepto que gosta de Scissor Sisters, Air, Pearl Jam e Opeth - um espectro curto mas variado de gostos musicais - e que reconheceu alguns dos discos na fotografia, o que me dá esperança para o seu futuro. No entanto, o facto de reconhecer tais exemplares e os ter em boa conta fez-me duvidar se os grupos que mencionou como referência são realmente os que me queria indicar ou se se trata apenas de um teste à minha competência. Ainda assim, o desafio está longe de me assustar e o que quero mesmo é ajudá-lo a seguir a sua vida com uma melhor banda sonora. Comecemos, então: Scissor Sisters é engraçado, é verdade, mas pergunto se existirá algo por trás dessa preferência. Se gosta deles porque está a meio caminho de sair do armário - e digo isto sem qualquer tipo de preconceito -, então parta logo para os Pet Shop Boys ou os Village People para resolver o assunto, embora corra o risco de perder alguns amigos e não propriamente por causa do armário. Se não for este o caso, recomendo uma vista de olhos (ou uma audição de ouvidos, se preferir) à fase mais dançável de David Bowie, por exemplo, ou ao glamour dos Roxy Music. Bem sei que se trata de andar para trás no tempo, mas os Scissor fazem o mesmo. Quanto a Air, coisa que aprecio bastante, recomendo o novo da Charlotte Gainsbourg, no qual participam, o Kid A de Radiohead, ou o disco a solo de Thom Yorke. Pearl Jam é um problema porque, por muito bom que tenha sido, o grunge morreu. Lamento informá-lo, mas é verdade - Creed e outros do género não contam, são maus demais. Calma, não desespere, existe muito para trás que pode ser ouvido: Smashing, Nirvana, Soundgarden, já os deve conhecer a todos, mas porque não uma viagem até Neil Young, em busca das origens? Tool também é da onda do metal progressivo e conceptual, - e bastante bom, por sinal - pelo que imagino que agradaria a um fã de Opeth. Felicidades para si, John, e que a boa música esteja consigo.
Agora é a vez de Rubem (assim mesmo), jovem que precisa urgentemente de ajuda e que me disse gostar de Korn, Marilyn Manson, Disturbed, Rammstein, Nirvana, Gotan Project e Stuart Staples. Meu caro Rubem, detecto aí uma óbvia tendência para sons negros e pesadões, o que à primeira vista me diz que está a precisar, acima de tudo, de apanhar mais sol. Depois de se bronzear um pouco e abrir mais o sorriso, pode então voltar para as suas preferências musicais, desde que lhes acrescente mais qualidade: Nine Inch Nails dos primeiros tempos e novamente Tool são as minhas recomendações. Se quiser dar mais originalidade à coisa, experimente Dresden Dolls e deixe-se levar pela onda de decadência com mais humor e ironia. Para Nirvana, não há grande segredo: Meat Puppets. Para Gotan Project, os Narcotango de Carlos Libedinsky. Quanto a Stuart Staples, parto do princípio de que já conhece os Tindersticks, pelo que o remeto para os Lambchop ou Antony & The Johnsons, por exemplo, e fique descansado que também aqui o choro é garantido. Morphine também pode ser uma boa escolha, se quiser embarcar na decadência ao melhor estilo Kerouac. Caro Rubem, espero que estes conselhos musicais lhe possam ser úteis, mas não se esqueça que também lhe faria bem sair da cave onde está fechado e aproveitar a luz diurna. Felicidades para si também e faça um esforço sincero para tornar os seus gostos mais ecléticos.
Voltem sempre!
P.S. - Este estabelecimento tem livro de reclamações.
6 comentários:
Caro professor, ao ver a foto que ilustra a abertura do seu consultório musical perpassou-me uma sensação de deja vu, como se conhecesse esse sujeito de pólo amarelo e tivesse presenciado à escolha metódica dos álbuns que compõem a fotografia. Mas deve ser só mesmo uma sensação de dejá vú, até porque deve ter recorrido aos serviços de um modelo profissional e essa gente não anda assim pela rua juntamente com o proletariado, nem faz parte das minhas relações.
Ora bem, mas o meu problema é o seguinte. Tendo passado a maior parte das minhas férias na Figueira da Foz, ao fim de muitas noites um gajo dá consigo num bar de karaoke arrastado por um belga que queria interpretar o tema “I will survive”. Foi uma noite de fortes emoções e que me trouxe muitas memórias. Antes de mais, de salientar que no ano anterior tinha ido a esse mesmo bar (cumpro um ritual que me obriga a ir uma vez por ano a um bar de karaoke, tal como certas senhoras, como a minha mãe, vão a Fátima) juntamente com um jovem arquitecto da nossa praça, uma moça que ele pretendia enfeitiçar e um jovem meu amigo (por acaso parecido com o da fotografia do seu consultório). Ocorreram alguns desacatos com o MC de serviço, responsável pelo equipamento de karaoke, de seu nome Tó Capela (o manager, não o equipamento de karaoke. Acho que ele ainda não é assim um Thycoon do karaoke a modos de já ter uma linha de quipamento com o seu nome). Pronto, tudo isto para referir que foi com medo que regressei ao tal bar de karaoke. Uma vez lá dentro, fiz por me embebedar ainda mais, a fim de suportar aquele ambiente. Fiquei satisfeito ao encontrar uma cara conhecida naquele espaço: o porteiro da sala do Casino. Não que eu seja frequentador de jogos de sorte e azar, mas as casas-de-banho do casino são as melhores de toda a Figueira da Foz.
A maior das surpresas foi quando este mesmo sujeito se dirigiu ao palco, pegou no microfone e de uma forma muito profissional, com posse e tudo, interpretou “Incomplete” dos Backstreet Boys. Não sei se motivado por uma história ao tipo de “from rags to richies” (em versão portuguesa, porteiro do Casino é convidado a subir ao palco aquando de uma actuação de Carlos do Carmo no Casino da Figueira e é o início de uma grande carreira), aquela interpretação tocou-me.
Sempre tive para mim que álbuns como “Blood on the tracks”, de Bob Dylan, “After the Goldrush”, the Neil Young ou “Bryter Later”, de Nick Drake são verdadeiros hinos ao amor, inspirado no grunger Eddie Vedder até cheguei a escrever num sms para uma miúda que me trazia loucamente apaixonado “I know someday you´ll have a beautiful life, I know you´ll be a star in somebody else´s sky but why can´t it be in mine?”. Acontece que nesta noite de karaoke, deu-se em mim um “alarme de vísceras”, como escreveu Vergílio Ferreira, e não pude deixar de espreitar pelo rabo do olho a letra da música “Incomplete” que ia passando no televisor, com um tipo vestido de fato de linho branco em fundo, molhando os pés à beira-mar e passando a mão pelo cabelo.
Frases como “I pray for this heart to be unbroken but without you all I'm going to be is, incomplete” fizeram em mim sentido e perguntei-me se não terei sido um snob durante a minha adolescência e que talvez fosse isto que todas as miúdas que me deram tampas quisessem ouvir da minha boca antes de as calar com um beijo.É que, sinceramente, letras como “Maybe I'm too young to keep good love from going wrong
but tonight, you're on my mind so you never know” de Jeff Buckley são lindas, mas dão de nós um ar demasiado sensível, tipo gajo que tem frieiras no Inverno e fica com gretas nas mãos se não passar cremezinho e calçar luvas e homem que é homem não teme gretas sejam elas onde forem! Estes gajos dos Backstreet Boys vão viver que nem porcos durante anos e anos, com dinheiro, miúdas e vidinha boa, enquanto gajos como o Jeff Buckley morrem cedo e afogados, está bem que ao som de “Whole lotta love” mas cá para mim o gajo nem conseguiu esbracejar durante 5:34 minutos, o suficiente para pelo menos conseguir ouvir a música até ao final. Ah é verdade! Este verso então derrubou-me “You still wonder if we made a big mistake”. Até apontei a frase no telemóvel antevendo uma possibilidade de a vir utilizar no futuro caso alguma miúda me dê com os pés. Passado 10 anos envio-lhe esta frase por sms, questionando-a a cerca do rumo que a sua vida tomou e se não teria sido tudo muito melhor caso tivesse ficado comigo.
Entretanto, já fui procurar o vídeo ao YouTube. É de facto azeiteiro, mas imaginemos se Alan Ball o tivesse utilizado na última cena do último episódio de Sete Palmos de Terra, em vez de Breathe Me de Sia. É tudo um tanto ao quanto relativo.
Estarei a necessitar de um internamento compulsivo e de administração ininterrupta de doses de Velvet Underground, The Doors, Led Zeppelin, Dylan, Neil Young, Stones, Lou Reed, Jeff Buckley e demais antibióticos poderosos?
Ah, esqueci-me de referir que numa outra situação, ouvi esta mesma música "Incomplete" num bar de striptease. Achei por bem referir este dado porque abona em favor da versatilidade deste tema dos Backstreet Boys.
Senhor doutor, aguardo o seu urgente diagnóstico!
sem reclamações!!! por acaso sou grande apreciador de Tool, onde identifico um pouco a sonoridade do MM, NIN e Morphine, geniais pelo que conseguem fazer com tão pouco. Os Meat Puppets desconhecia, mas têm uma sonoridade fabulosa, chegando a ser por vezes quase tão bons como os Nirvana!!! os outros nomes ainda me são estranhos, mas não por muito tempo! a rubrica está muito bem conseguida, e espero voltar a participar dela.
P.S. - esqueci-me de mencionar os Massive Attack, Thievery Corporation, LCD Soundsystem e os geniais Balla... será que o paciente ainde tem esperanças?
PS2 - se não fôr pedir muito, gostaria que me corrigisse por ouvir Cocorosie, Moby e Sigur Ros
Estou a ver que o senhor Rubemichel deixou o melhor para o fim. Está tudo muito bem nestas suas últimas referências excepto, quanto a mim, moby, mas isso talvez seja eu que embirro com o gajo a torto e a direito. Para Massive, Portishead e Tricky (dos primeiros); para Thievery, o K & D Sessions de Kruder & Dorfmeister; para LCD até lhe recomendaria Rinocerose, mas mais vale manter-se com esses que são bem melhores. Para Balla - e aqui estou a arriscar - experimente também The Weatherman, o Beck tuga. Não é propriamente o mesmo estilo, mas também é genial! Em relação a Cocorosie e Sigur nada há a corrigir, acho que se deve manter bem agarradinho a eles, especialmente Sigur. De resto, experimente Joanna Newsom (comece pelo primeiro album, Milk-Eyed Mender), Devendra Banhart, Isobel Campbell, Vetiver, e Six Organs of Admittance. Se quiser embarcar numa de dark-folk, então o I See a Darkness de Bonnie Prince Billy vai deixá-lo em crise existencial. Tem muito para explorar! Um abraço e ainda bem que gostou :)
http://stuartstaples.blogspot.com/
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